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Produção Científica -> FAME II – Há uma mudança de paradigma?

Produção Científica -> FAME II – Há uma mudança de paradigma?

O Projeto “Sábado Científico” desenvolvido no ICDF desde agosto de 2016 inicia agora uma nova etapa e fará a publicação dos resultados obtidos com o projeto, seja em discussões de casos clínicos, apresentação de pesquisas ou em análises de artigos, esses produtos serão publicados em nossa página oficial e redes sociais.

A instituição hoje de destaca não somente pela assistência que realiza, mas por estimular a produção científica promovendo entre outros aspectos, o debate entre paradigma científico na filosofia de qualidade e segurança   assistencial, sempre embasado em evidências.

Assim, apresentamos abaixo artigo sobre a reunião do Sábado Científico do ICDF deste mês (21/07/18), em que foi apresentado e analisado o artigo FAME 2 - seguimento de 5 anos.

O estudo comparou intervenção coronariana percutânea (ICP) com stent farmacológico de segunda geração guiada por fractional flow reserve (FFR) associada à terapia medicamentosa otimizada (TMO) versus TMO isoladamente.

A análise estatística do estudo previa originalmente inclui 1632 pacientes com FFR significativa em pelo menos um vaso. Todavia, o estudo foi interrompido precocemente pela DSMB (Comissão de monitoramento de dados e segurança), com a justificativa de que o grupo intervenção teve uma redução significativa no desfecho primário. Devido a esta interrupção do estudo, apenas 888 pacientes (54% do número inicial previsto) foram randomizados, o que tornou o estudo truncado, reduzindo a sua precisão e aumentando o erro tipo I (acaso). Cabe aqui destacar que não houve regras pré-especificadas para parar o estudo.

O desfecho primário analisado foi um composto de morte, infarto agudo do miocárdio (IAM) - não definido pelos autores - e revascularização de urgência (definido como admissão hospitalar não planejada decorrente de sintomas que levaram à revascularização na mesma hospitalização).

O estudo FAME II com seguimento de 5 anos, concluiu: ICP guiada por FFR reduziu desfecho primário composto de morte, IAM ou revascularização de urgência em 5 anos em relação ao grupo TMO.

Porém, quando analisamos mais a fundo o estudo, percebemos que o desfecho primário teve redução fortemente alavancada à custa da diminuição em 73% de revascularização de urgência [6,3% ICP x 21,1% TMO; IC 95% 0.27 (0.18–0.41)]. Esse fator pode ter sido bastante influenciado pelo fato do estudo não ter sido cego. Ou seja, tanto médico, quanto o paciente sabiam se o mesmo havia sido submetido a revascularização ou não. Logo, quando um paciente era atendido na emergência com quadro de angina e o médico sabendo que este não havia realizado angioplastia, é claro que há uma tendência maior a indicar uma angioplastia de urgência, representando um forte viés no estudo. Discriminando o perfil destes pacientes que tiveram indicação de angioplastia de urgência, nota-se que a maioria (51,8%) teve o diagnóstico de angina instável apenas por critérios clínicos (sem alteração do ECG ou de marcadores de necrose miocárdica), mais uma vez reforçado o viés de o estudo não ter sido cego.

O estudo mostrou uma redução do desfecho primário no grupo intervenção em cerca de 54%, [13,9% ICP x 27% TMO; IC 95% HR 0,46 (0,34-0,63)]. Mas, ao analisar separadamente cada componente do desfecho primário, nota-se que não se pode afirmar clara redução de morte por qualquer causa [5.1% ICP x 5.2%, IC 95% HR 0.98 (0.55–1.75)] e quanto a IAM [(8.1% ICP x 12.0% TMO, IC 95% HR 0.66 (0.43–1.00)], ou seja, não se pode afirmar redução nos verdadeiros desfechos duros (morte e IAM), pois tiveram sua precisão na estimativa enfraquecidas (com intervalos de confiança largos e com redução que podem ter ocorrido ao acaso), podendo estar sujeito de viés de mensuração, tendo como fator contribuinte o truncamento do estudo, que reduziu a amostra e prejudicou a análise estatística.

Ainda vale questionar o componente “revascularização de urgência” no desfecho primário em um estudo patrocinado, visto que não se trata de desfecho duro.

Também é interessante ressaltar o fato de ter havido diferença importante quanto a revascularização de urgência e não encontrarmos o mesmo resultado quanto a IAM, o que nos leva a interrogar a real necessidade de indicação da ICP nestes pacientes com “urgência” de revascularização.

Em nossa análise concluímos que o estudo FAME-II confirmou o que o estudo COURAGE já havia evidenciado; a ICP realmente alivia sintomas (angina). Observando-se menor angina no grupo ICP (com significância estatística), nos primeiros 3 anos de seguimento, do que o grupo controle.

Por Fernanda Alves

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